Este trabalho trata da possibilidade do uso do jogo "Caça ao tesouro em El Gurugu" no desenvolvimento do raciocínio espacial em crianças. O jogo apresentado foi construído para a Semana de Ciências de Madrid/Espanha com crianças entre 4 e 5 anos. Os materiais foram elaborados especificamente para serem trabalhados no Centro de Interpretação da Natureza “El Gurugu” uma vez que são confeccionados com mapas e imagens desse espaço, entretanto, a ideia aqui é que essa dinâmica sirva de exemplo e estímulos para outros itinerários. Nossa experiência revelou que as crianças pequenas podem manipular os planos e também interpretar representações cartográficas simples mediante pictogramas que refletiam a realidade. Este trabalho aposta em uma inicialização cartográfica que busca uma progressão gradativa dessas habilidades desde a Educação Infantil, e não somente nos anos finais do Ensino Fundamental.
APLICAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO
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Mapa Caça ao tesouro El gurugu |
O objetivo do jogo foi trabalhar o espaço vivido e percebido, a partir da leitura e interpretação de um mapa com representações simples. As orientações da atividade tinham uma abordagem da aprendizagem por descobrimento mediados pelos professores no Centro “El Gurugu”.
A escolha da atividade no Centro de Interpretação da Natureza (CIN) Gurugu buscou criar uma situação fictícia (em um espaço real) que conduzisse as crianças a pensarem espacialmente as situações propostas sem deixar de lado o caráter lúdico e instigante da atividade. O conto infantil, contextualizou a evolução temporal daquele espaço, “explicando” as mudanças da paisagem a partir da necessidade do homem. Teve-se o cuidado de criar um conto em que o enredo do espaço fossem o pano de fundo da atividade para dar uma ordem temporal e uma noção de sequência, uma vez que o CIN “El Gurugu” mescla paisagens com resquícios rurais (La majada e o poço) com construções modernas (elevador e passarela).
Através da história de um avô que escondeu um tesouro que utilizava em suas viagens, fomos narrando aos alunos a história daquela paisagem, contextualizando os principais pontos ou objetos que estavam localizados no mapa (fogão, poço, etc.). Estes objetos eram fundamentais como pontos de referência para os alunos se localizarem e localizarem o local do tesouro.
Apesar da dinâmica do jogo ter como proposta inicial a localização de um tesouro, o objetivo pedagógico da atividade não se restringia apenas na habilidade de localização espacial, mas sim a de criar condições para o aluno situar-se e situar os objetos e lugares no espaço e no mapa.
Fonte: Elaboração própria
Nesse exercício o aluno pode desenvolver algumas noções elementares que contribui para o desenvolvimento do raciocínio espacial como lateralidade e a noção de distância. É nesse momento que acreditamos que a atividade corpórea pode contribuir para o desenvolvimento desse raciocínio de forma significativa, uma vez que estimula as crianças a pensarem e agirem em situações espaciais concretas, conforme descreve Trepat e Comes,
Plantear las actividades de orientación desde las ciencias sociales en el marco de situaciones-problema lo más “reales” posible, de manera que la actividad espacial suponga al alumno reflexionar sobre su propia percepción espacial (TREPAT e COMES, 2007, p. 160).
A atividade
consistiu em uma sequência didática dividida em três momentos:
- Aula
introdutória e a utilização do Jogo Dominó do Gurugu
Para que os alunos se familiarizassem com a legenda
do mapa, elaboramos um jogo de dominó (figura 1,2 e 3), que consistia nos
encaixes entre as legendas do mapa e as fotos reais dos pontos de referência.
Assim, no lado direito da peça se encontra o desenho pictográfico, e no lado
esquerdo uma fotografia referente a outro local. O aluno tem que buscar a foto
do referido desenho em outra peça.
Figura 1: Dinâmica do jogo dominó
Figura 2: Aula preparatória
- Atividade no Centro “El gurugu” e a utilização do jogo “Caça ao tesouro"
Na
atividade prática, dividimos os alunos em dois grupos para facilitar a procura
ao tesouro. A introdução da atividade foi feita com o conto sobre um menino que
procurava um tesouro escondido por seu avô. A partir desse conto que era
narrado durante todo o itinerário a depender do local em que os alunos se
situavam, iniciou-se a busca realizada por todo o grupo com o
auxílio do mapa do jogo. A ideia era que os alunos decidissem qual o caminho e
direção a seguir. Mesmo quando escolhiam um caminho errado, deixávamos que
seguissem, até perceberem o erro e retornassem ao caminho correto.
Assim, podíamos identificar até que
ponto os alunos reconheciam as relações espaciais como em frente e atrás,
direita e esquerda.
A ideia
foi que a partir do espaço físico vivenciado pela criança através de seus
movimentos e deslocamento eles concebessem noções de distâncias, das
semelhanças do mapa com a realidade, sem perder o caráter lúdico da atividade,
uma vez que a atividade era direcionada para Educação Infantil. Durante a busca
ao tesouro os alunos podiam explorar os espaços de lazer do Centro, como o mini
arborismo, assim como estava representado no mapa.
O
tesouro era uma bússola, que se mostrou muito interessante aos alunos. Ao explicar este instrumento, foi comprovado o norte apontado no mapa e pôr
fim a atividade prática foi finalizada.
- Atividade de encerramento com desenho do mapa
O
terceiro momento da atividade ocorreu em sala de aula com a retomada do mapa e
de algumas noções e relações espaciais que haviam sido exploradas.
A ideia era trabalhar com os alunos o espaço experimentado, completando a passagem
do espaço vivido para o espaço percebido. Pedimos aos alunos que representassem
em uma folha de papel as observações, para que pudéssemos apreciar os
resultados obtidos.
Resultados e possibilidades
Durante
a atividade, a mediação era controlada, uma vez que queríamos que os alunos
tivessem a oportunidade de mover-se pelo espaço a partir das indicações,
provocando neles a “necessidade” da utilização do mapa como um recurso e não
apenas como uma ilustração.
Segundo
as categoriais do espaço descritas por Hannoun (1977), apresentamos no quadro a
seguir a descrição das noções que a atividade desenvolveu.
CATEGORIAS ESPACIAIS DESENVOLVIDAS
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DESCRIÇÃO
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Orientação
do espaço
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-Lateralidade
-Profundidade
-Anterioridade
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- se localizar e localizar os
objetos em relação a eles mesmos e em relação a outros objetos: à frente,
atrás, à direita, à esquerda
- andar pelo espaço, indo pela
direita, pela esquerda, por baixo, por cima
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Apreciação de distâncias
(não métricas)
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- a partir da experiência do
itinerário reconhecido e o mapa do tesouro se estabelece a noção de distância
qualitativas (noção dos tamanhos de um objeto, ou da trilha percorrida)
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Análise
e estruturação do espaço
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-Objeto no espaço
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-percepção do
meio por outros ângulos (aéreo) a partir da trilha suspensa
-observação de todo o centro a
partir do itinerário percorrido (distinguir os elementos visíveis) por onde
passou, qual o trajeto...
-confecção do croqui
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-Posição relativa do objeto no espaço
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O espaço vivido é considerado como a base do
conhecimento escolar para estruturar o conhecimento geográfico. Castrogiovanni (2000,
p.16) afirma que “o espaço vivido é prático, organizado e equilibrado em nível
da ação e do comportamento social”. Nesta abordagem se encontram as práticas de
sala de aula propostas por Straforini (2004) como estudo de meio, do bairro, da
cidade., etc. “En los mapas se materializan distintas dimensiones de la espacialidad
que se presentan bajo las categorías de forma, localización o distribución de
los diferentes objetos, temas o problemas que se traten”, afirma Gurevich, (2007,
p. 192). Por tanto, se desde a educação
infantil se propõem sequências didáticas com mapas, é possível que as crianças
consigam ler a realidade.
Neste
trabalho buscamos compartilhar possibilidades de elaborar uma sequência didática
com os jogos cartográficos. O dominó e o caça ao tesouro permitiram motivar o interesse
das crianças pelos mapas confrontando-o com a realidade. A continuação, o roteiro por um espaço natural,
mediante um conto e o jogo, através da aprendizagem por descobrimento mediada
pelos professores criou possibilidades para a tomada de decisões dos alunos.
Ao
realizarmos a atividade em um espaço que permitia um deslocamento, e
simultaneamente o uso do mapa (deste mesmo espaço), a criança era levada a
buscar referências reais para situá-las no espaço e se situar no mapa.
Podemos
dizer que a atividade do caça ao tesouro proporcionou nas crianças a projeção
do esquema corporal para os objetos. O que estava à frente do poço, estava ao
lado da La majada. O próprio
deslocamento do corpo alterou a projeção da polaridade (figura e a designação do lugar
tanto dos objetos quanto da própria criança ao mover-se pelo centro. Sob essa
perspectiva, acreditamos que a atividade levou às crianças a pensarem o espaço
além da referência apenas do próprio esquema corporal.
Fonte: Elaboração própria
A
sequência didática, além de contribuir diretamente no aprendizado do aluno,
possibilitou a criação de uma situação de ensino que propiciasse aos
professores envolvidos, momentos de observação e reflexão sobre experiências
relativas ao raciocínio espacial em crianças pequenas à luz das teorias
pedagógicas espaciais que apontamos no início.
Isso permitiu a
observação de como as crianças organizavam e modificavam suas ações para se
situarem no espaço tendo como referência os objetos localizados no mapa. A
criança conseguia localizar-se no mapa e seguir o caminho indicado,
principalmente quando o caminho a ser percorrido era uma encruzilhada e exigia
a seleção de um deles.
Etapas da construção dos materiais
Confira o roteiro para planejar jogos [aqui]
*Este texto é uma revisão sinóptica do artigo
O desenvolvimento do raciocínio espacial na Educação Infantil: Estudo decaso com Jogos Geográficos no Centro de Educação Ambiental (BREDA e GARCIA DE LA VEGA, 2016) e do Capítulo de Livro
Jogos geográficos na escola: possibilidades para trabalhar noções espaciais e cartográficas (BREDA, 2017).
*Financiamento
FAPESP/BEPE/DR (Processo 2014/22919-9) – Projeto “La Alfabetización Cartográfica y el uso de juegos en la formación de
profesores: una aproximación entre Brasil y España”, com a supervisão do
prof. Dr. Alfonso García de la Vega no Programa de Posgrado en Educación da Facultad de Formación del Profesorado Y Educación, na Universidad Autónoma de Madrid
Agradecimentos
À Daniela Derosas e
Marcos Chica pela participação, colaboração e organização em todo o processo de
desenvolvimentos desta atividade.
Referências
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STRAFORINI, R. Ensinar geografia. O desafio de totalidade-mundo nas series iniciais,
São Paulo: Anna Blume, 2004
TREPAT, C. A. COMES,
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de las Ciencias Sociales. Barcelona, Grao, 2007.